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O texto abaixo é resultado de uma conversa com o jornalista Bruno Yutaka Saito. Ele trata da questão da “originalidade” e de como ela acontece hoje, em um mundo transformado o tempo todo pela tecnologia. É claro que é um começo de uma conversa que não tem fim, mas ei-lo aqui.

Bruno: É importante ser original na música hoje em dia? A originalidade é superestimada?

Ronaldo Lemos: Vivemos em um momento em que há um culto enorme à originalidade e à inovação. Isso acontece não só na cultura, mas também na ciência, na economia e na sociedade em geral. A ideia de “originalidade” ou “novidade” tem uma função muito peculiar nos nossos tempos: estimular o consumo. O culto à originalidade leva a uma busca cada vez mais acelerada pelo novo. É só pensar em como a moda cresceu em importância global nos últimos 15 anos: os ciclos da moda estão cada vez mais rápidos. A função da moda não é gerar novidades, mas sim fazer com que o novo se torne obsoleto o mais rápido possível. E isso estimula o consumo de forma permanente. Dá para ver isso na música e na cultura de modo geral. A todo momento surgem estilos ou cenas novas, que se tornam populares do dia para noite, e depois ficam fora de moda. É como o consumo cultural tivesse se aproximado da dinâmica da moda.

Bruno: Você acredita que a banda larga/mp3/ipod ao mesmo tempo em que tornaram a música um bem muito mais acessível, ao mesmo tempo transformou-a numa coisa inofensiva, apenas um som ambiente enquanto fazemos tarefas diárias?

RL: A internet e a cultura digital aumentaram enormemente a produção e o acesso à música. O problema não é que a música se tornou inofensiva, ao contrário. Olhando com cuidado, mesmo no pop há músicas mais “perigosas” do que jamais foram feitas. O atirador da Noruega, por exemplo, fez uma “playlist” com artistas segregacionista para estimular outros insanos. No entanto, nossa atenção hoje é difusa demais para prestar atenção em cada detalhe. Mas nem por isso a música deixou de ter impacto social: ela continua essencial na construção de identidades coletivas e também como expressão de contextos e ideias políticas (como a música “gay” que nunca parou de crescer, tem a ver com liberdade e afirmação, e se materializa em festivais e baladas próprias).

Bruno: Em uma entrevista neste ano ao Guardian, Godard disse: “Film is over. It’s sad nobody is really exploring it. But what to do? And anyway, with mobile phones and everything, everyone is now an auteur”. Essa ideia pode ser aplicada à música? A atual cultura do remix (não só na música eletrônica, mas de uma forma geral) e o enorme manancial de arquivos digitais mudaram para melhor a música, democratizando-a?

RL: Essa ideia expressa pelo Godard de que o cinema morreu diz respeito a uma ideia específica de cinema. E mesmo esse cinema não morreu. Ele continua fazendo muito sentido, produzindo obras incríveis. A questão é que ele compete hoje com muitas outras práticas de expressão audiovisual. O que ele vê como “morte” é apenas um deslocamento: o “cânone” ocupa mais um lugar central, ele muda de posição, passa a conviver com outras formas, fica descentralizado. Mas mesmo assim, dentro dessa nova posição, não significa que tenha perdido vigor. Nunca se produziu tantos filmes ou tanta música. Esse momento atual representa também uma explosão de criatividade.

Bruno: Você costuma escrever que a música vibrante atualmente é produzida nas periferias do mundo. Por que isso acontece? Mas, mesmo o tecnobrega: ele realmente é “novo”, uma vez que remete aos anos 80?

RL: A inovação vem cada vez mais das pontas, das margens. Com a música não é diferente. Quanto mais próximo você está do centro mais próximo está também de linguagens, estilos e práticas consolidadas. Claro que dá para ser criativo, mas em geral isso acontece dentro de modelos já conhecidos. Já a música periférica não tem essa preocupação. São cenas vivas e mutantes, que produzem muito e onde há um espaço enorme para o acidente, a precariedade e o acaso. Não precisam “passar recibo” para nenhuma estética mais estabelecida. Quando isso é conjugado com a internet e a tecnologia digital, há uma explosão global. Cenas se fortalecem e outras aparecem em todo lugar, como a champeta na Colômbia, a cumbia villera na Argentina, o bubllin na Holanda e no Suriname, o kuduro em Angola, o shaghaan electro na Africa do Sul e assim por diante. No Brasil, há o tecnobrega, o funk, a pisadinha, o lambadão cuiabano,o forró eletrônico só para dar alguns exemplos. São músicas superpopulares, que falam para milhões de pessoas e dialogam entre si sem passar pelo “centro”, que torce o nariz para o fato de serem abusadas e nada respeitosas com o “cânone” do bom gostousual. De tempos em tempos, períodos de reinvenção macontece também no centro, como nos anos do pós-punk e 79 a 81, ou na primeira geração das raves de 89 a 92. Só que nas pontas esse processo é permanente.

Fonte: Ronaldo Lemos, site Overmundo

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